As aventuras de ZP - O astronauta do pedacinho do céu.
No comboio Ghan – Adelaide a Darwin –Austrália - Ano de 2013 – Dia 41
2ºCapítulo de: À volta do Mundo 2
Voando sobre dois carris
“É sem dúvida verdade que andando de lugar para lugar perdemos coisas, consequentemente temos que apanhar coisas para sobreviver. Aqueles que sobrevivem tornam-se muito bons a apanhar coisas. A sua relação com a identidade e lugar torna-se variável, híbrida, pragmática e inclusiva. Eles tornam-se bricoloures. Por outras palavras eles tornam-se todas aquelas coisas que os pós-modernistas tentam ser.”
Ian Mclean acerca de Lin Onus (artista plástico aborígene) e pós-modernismo indígena.
Os pensamentos ficam para trás; agarrados à cauda do comboio, parecem não existir…
E eu aqui sentado, o que sou sem eles? E eles o que são sem mim? Há um olhar, quando se olha pela janela de um comboio, diferente; é o olhar que apanha o momento e logo se vê obrigado a abandona-lo, pois o caminho prossegue e no entanto nós continuamos imóveis, sabendo de ante mão que ele não nos abandonará. Não somos nós que caminhamos pois ele caminha por nós, e se traçamos o caminho foi quando pensamos em traça-lo e não aqui onde os pensamentos se debatem agarrados a cauda do comboio.
Os carris trouceram-nos Alice Springs. E a porta que se abriu para que o cavalo de ferro passa-se a muralha de pedra (McDonnell range - linha montanhosa que se estende por 200 Km de leste a oeste) levou-nos ao encontro e confronto de duas civilizações opostas obrigadas a partilhar o mesmo espaço conquistado à força pelos homens brancos e perdido pelos homens negros do passado. Sinto-me baralhado perscrutando os estranhos homens e mulheres indígenas desta terra pois ostentam qualidades divinas no meio de comportamentos aparentemente opostos a essas divinas qualidades pois são representativos dos nossos maiores medos: a pobreza, a mendicidade, a exclusão – frutos da nossa sociedade e como tal só visíveis através do nosso olhar consequentemente invisíveis aos seus actores. Eles e Elas, abstratos percorrem as ruas como se não tocassem no chão e quando os vemos sentados debaixo de uma árvore, adquirem formas provenientes da terra – uma rocha, um animal selvagem, uma termiteira, um arbusto, outra árvore, confundem-se/fundem-se na paisagem pois ainda fazem parte dela. É essa a estranheza que sinto quando os perscruto, afinal são humanos como eu mas eu não os consigo sentir… É aqui que reside a sua divindade e a nossa impossibilidade de a alcançar, Porque será?
Chegando a Darwin são dois mundos distintos lado a lado que se encontram - A Natureza e o Homem branco. A sabedoria de um e a insensatez do outro. Não será necessário apontar o dedo para saber a quem pertencem os substantivos qualitativos atras mencionados. A Natureza perpéctua-se, coexiste, o homem branco multiplica-se, conquista. A natureza da Natureza levá-la-á ao encontro do Homem, a natureza do Homem branco levá-lo-á ao seu desencontro. Duas forças aparentemente (pois fundem-se) opostas cujo resultado será a derrota do Homem “vencedor”, conquistador, víctima do seu próprio ego. Em Darwin a Natureza faz-nos transpirar, desprezar e amar. Entre a vulgaridade de uma cultura em que tudo o que toca o transforma em produto comerciável e o desalma (um passeio em George street é uma visita próxima ao inferno disfarçado de céu – não faltam exemplos de lugares semelhantes em distintas cidades espalhadas pelo mundo, no entanto em Darwin, o contraste entre os mundos atras mencionados é intensamente palpitante, jovem) pode-se também vislumbrar seres de uma beleza intocável: Rainbow pitta - Pitta iris, Black-tailed Kokatoo - Calyptorhynchus banksii, Rose-crowned Fruit Dove (Ptilinopus regina), Fig tree - Ficus virens, são alguns exemplos remanescentes do Paraíso perdido.
O Ghan voltou para onde partiu (Adelaide – Darwin)– carregado de turistas. É o único comboio de passageiros que utiliza a linha e a sua periodicidade não serve para quem o quiser usar como um transporte público alternativo à estrada que paralela corre à sua linha. Metemo-nos a caminho ao Sul depois de uma breve estadia em Darwin, com destino a Katherine (O culto da personalidade espelhado nos nomes das cidades pequenas e grandes que os Ingleses tao carinhosamente alimentam) – paragem obrigatória para a locomotiva vermelha, onde na ida e à espera na linha, ficaram duas moedas - 1 dólar australiano e um cêntimo de euro. Espero que na volta as 31 carruagens atreladas a locomotiva vermelha tenham passado pela linha e na sua passagem as moedas tenham sofrido a devida alteração. Hoje fui recuperá-las e lá estavam elas deformadas mas com valor acrescido (só para alguns, aqueles que acreditam que o valor das coisas reside na histórias que elas têm para contar) pois o “legendário” comboio que atravessa a Austrália de Norte a Sul e vice-versa passou por cima delas!
No comboio Ghan – Adelaide a Darwin –Austrália - Ano de 2013 – Dia 41
2ºCapítulo de: À volta do Mundo 2
Voando sobre dois carris
“É sem dúvida verdade que andando de lugar para lugar perdemos coisas, consequentemente temos que apanhar coisas para sobreviver. Aqueles que sobrevivem tornam-se muito bons a apanhar coisas. A sua relação com a identidade e lugar torna-se variável, híbrida, pragmática e inclusiva. Eles tornam-se bricoloures. Por outras palavras eles tornam-se todas aquelas coisas que os pós-modernistas tentam ser.”
Ian Mclean acerca de Lin Onus (artista plástico aborígene) e pós-modernismo indígena.
Os pensamentos ficam para trás; agarrados à cauda do comboio, parecem não existir…
E eu aqui sentado, o que sou sem eles? E eles o que são sem mim? Há um olhar, quando se olha pela janela de um comboio, diferente; é o olhar que apanha o momento e logo se vê obrigado a abandona-lo, pois o caminho prossegue e no entanto nós continuamos imóveis, sabendo de ante mão que ele não nos abandonará. Não somos nós que caminhamos pois ele caminha por nós, e se traçamos o caminho foi quando pensamos em traça-lo e não aqui onde os pensamentos se debatem agarrados a cauda do comboio.
Os carris trouceram-nos Alice Springs. E a porta que se abriu para que o cavalo de ferro passa-se a muralha de pedra (McDonnell range - linha montanhosa que se estende por 200 Km de leste a oeste) levou-nos ao encontro e confronto de duas civilizações opostas obrigadas a partilhar o mesmo espaço conquistado à força pelos homens brancos e perdido pelos homens negros do passado. Sinto-me baralhado perscrutando os estranhos homens e mulheres indígenas desta terra pois ostentam qualidades divinas no meio de comportamentos aparentemente opostos a essas divinas qualidades pois são representativos dos nossos maiores medos: a pobreza, a mendicidade, a exclusão – frutos da nossa sociedade e como tal só visíveis através do nosso olhar consequentemente invisíveis aos seus actores. Eles e Elas, abstratos percorrem as ruas como se não tocassem no chão e quando os vemos sentados debaixo de uma árvore, adquirem formas provenientes da terra – uma rocha, um animal selvagem, uma termiteira, um arbusto, outra árvore, confundem-se/fundem-se na paisagem pois ainda fazem parte dela. É essa a estranheza que sinto quando os perscruto, afinal são humanos como eu mas eu não os consigo sentir… É aqui que reside a sua divindade e a nossa impossibilidade de a alcançar, Porque será?
Chegando a Darwin são dois mundos distintos lado a lado que se encontram - A Natureza e o Homem branco. A sabedoria de um e a insensatez do outro. Não será necessário apontar o dedo para saber a quem pertencem os substantivos qualitativos atras mencionados. A Natureza perpéctua-se, coexiste, o homem branco multiplica-se, conquista. A natureza da Natureza levá-la-á ao encontro do Homem, a natureza do Homem branco levá-lo-á ao seu desencontro. Duas forças aparentemente (pois fundem-se) opostas cujo resultado será a derrota do Homem “vencedor”, conquistador, víctima do seu próprio ego. Em Darwin a Natureza faz-nos transpirar, desprezar e amar. Entre a vulgaridade de uma cultura em que tudo o que toca o transforma em produto comerciável e o desalma (um passeio em George street é uma visita próxima ao inferno disfarçado de céu – não faltam exemplos de lugares semelhantes em distintas cidades espalhadas pelo mundo, no entanto em Darwin, o contraste entre os mundos atras mencionados é intensamente palpitante, jovem) pode-se também vislumbrar seres de uma beleza intocável: Rainbow pitta - Pitta iris, Black-tailed Kokatoo - Calyptorhynchus banksii, Rose-crowned Fruit Dove (Ptilinopus regina), Fig tree - Ficus virens, são alguns exemplos remanescentes do Paraíso perdido.
O Ghan voltou para onde partiu (Adelaide – Darwin)– carregado de turistas. É o único comboio de passageiros que utiliza a linha e a sua periodicidade não serve para quem o quiser usar como um transporte público alternativo à estrada que paralela corre à sua linha. Metemo-nos a caminho ao Sul depois de uma breve estadia em Darwin, com destino a Katherine (O culto da personalidade espelhado nos nomes das cidades pequenas e grandes que os Ingleses tao carinhosamente alimentam) – paragem obrigatória para a locomotiva vermelha, onde na ida e à espera na linha, ficaram duas moedas - 1 dólar australiano e um cêntimo de euro. Espero que na volta as 31 carruagens atreladas a locomotiva vermelha tenham passado pela linha e na sua passagem as moedas tenham sofrido a devida alteração. Hoje fui recuperá-las e lá estavam elas deformadas mas com valor acrescido (só para alguns, aqueles que acreditam que o valor das coisas reside na histórias que elas têm para contar) pois o “legendário” comboio que atravessa a Austrália de Norte a Sul e vice-versa passou por cima delas!
As aventuras de ZP - 2°capítulo.pdf |