As aventuras de ZP - O astronauta do pedacinho do céu.
Canberra - ACT - Austrália - Ano de 2012 - Dia 290
S35 17 02.2 E149 09 50.8
1º Capítulo de: À volta do Mundo 2
Voando sobre duas rodas
Vou de bicicleta para o trabalho. E pelo caminho descubro objectos ou partes suas,
perdidos das suas funções, não me refiro às casas, aos automóveis, ou às outras
coisas que visíveis ao olhar de quem as vê, se encontram em contextos
apropriados / contextualizados, logo à primeira vista “nunca” perdidos.
Refiro-me aos objectos extraviados, desirmanados, desencaixados, das suas
funções, dos seus lugares, peças variadas de formas e materiais destintos, todos
eles mais ou menos familiares, não parecem lixo no primeiro encontro e por isso
sobressaem do resto que já nos habituamos a ver (como sendo lixo) e que
eventualmente desaparecerá do nosso caminho ou será substituído por outro
desperdício … Dou conta de que em movimento, deslocando-me de aqui para lá ou
vice-versa não deixo de estar parado olhando-me sobre rodas, avançando pelo
caminho. Não é o mesmo caminho que se percorre dentro de um automóvel
independentemente do trajecto, pois quanto menores e mais reduzidas se tornarem
as relações com o exterior, menores e mais reduzidas se tornarão as relações com
o nosso interior. A comunicação oral também é possível de um veículo silencioso
para outro veículo silencioso –neste caso a bicicleta, como também é possível
com um transeunte ou com qualquer outro ser vivo que faça do ar veículo de
comunicação. A visão expande-se e com ela o tempo, pois ele também se estica
para alcançar, ora seja o detalhe – um parafuso na berma da estrada – ora seja o
céu no voo de uma ave à distância. Apesar de no relógio do tablier de um
automobilista marcar o mesmo tempo que no relógio que levo eu no pulso, o tempo
que eu gastei a viver o momento perdeu-se no tempo pela sua volatilidade. Não
cheguei atrasado, nem em último, pois não corri com o tempo. E o tempo que
gastei a percorrer a distância que me separava de casa para o local de trabalho
é contabilizado pelo relógio que marca o tempo contabilizável – Mas que horas
serão no Sol? (Lembrei-me de Wittgenstein). De volta à Terra e aprendendo de
novo a manter o equilíbrio na minha “nova” bicicleta libertando as mãos e os
braços e adquirindo uma postura erecta, dou conta de que quase poderia ler o
Jornal durante o percurso para o trabalho sem no entanto deixar de usufruir do
“esforço” que faço e que me impulsiona no espaço e no tempo. Não seria o mesmo
sentado na garupa de um cavalo que te leva, que transpira contigo, e te lé o
pensamento. Ao volante de uma bicicleta tornamo-nos transparentes - todos nos
veem a chegar, ou não, e todos nos vêm a partir, ou não – e leves continuamos,
pois nada de pesado deixamos ficar para trás. Riscamos a paisagem
silenciosamente com o nosso passar; os nossos corpos desenham-se em torno dela,
vibram com as suas irregularidades, curvam-se nas suas curvaturas e a alma ora
contempla o esforço do corpo que a alberga, e a terra por donde gira, ora
contempla o universo a onde paira.
(São tantas as coisas em, e que pensamos, que
acabamos por nos tornar nós próprios pensamentos.)
Canberra - ACT - Austrália - Ano de 2012 - Dia 290
S35 17 02.2 E149 09 50.8
1º Capítulo de: À volta do Mundo 2
Voando sobre duas rodas
Vou de bicicleta para o trabalho. E pelo caminho descubro objectos ou partes suas,
perdidos das suas funções, não me refiro às casas, aos automóveis, ou às outras
coisas que visíveis ao olhar de quem as vê, se encontram em contextos
apropriados / contextualizados, logo à primeira vista “nunca” perdidos.
Refiro-me aos objectos extraviados, desirmanados, desencaixados, das suas
funções, dos seus lugares, peças variadas de formas e materiais destintos, todos
eles mais ou menos familiares, não parecem lixo no primeiro encontro e por isso
sobressaem do resto que já nos habituamos a ver (como sendo lixo) e que
eventualmente desaparecerá do nosso caminho ou será substituído por outro
desperdício … Dou conta de que em movimento, deslocando-me de aqui para lá ou
vice-versa não deixo de estar parado olhando-me sobre rodas, avançando pelo
caminho. Não é o mesmo caminho que se percorre dentro de um automóvel
independentemente do trajecto, pois quanto menores e mais reduzidas se tornarem
as relações com o exterior, menores e mais reduzidas se tornarão as relações com
o nosso interior. A comunicação oral também é possível de um veículo silencioso
para outro veículo silencioso –neste caso a bicicleta, como também é possível
com um transeunte ou com qualquer outro ser vivo que faça do ar veículo de
comunicação. A visão expande-se e com ela o tempo, pois ele também se estica
para alcançar, ora seja o detalhe – um parafuso na berma da estrada – ora seja o
céu no voo de uma ave à distância. Apesar de no relógio do tablier de um
automobilista marcar o mesmo tempo que no relógio que levo eu no pulso, o tempo
que eu gastei a viver o momento perdeu-se no tempo pela sua volatilidade. Não
cheguei atrasado, nem em último, pois não corri com o tempo. E o tempo que
gastei a percorrer a distância que me separava de casa para o local de trabalho
é contabilizado pelo relógio que marca o tempo contabilizável – Mas que horas
serão no Sol? (Lembrei-me de Wittgenstein). De volta à Terra e aprendendo de
novo a manter o equilíbrio na minha “nova” bicicleta libertando as mãos e os
braços e adquirindo uma postura erecta, dou conta de que quase poderia ler o
Jornal durante o percurso para o trabalho sem no entanto deixar de usufruir do
“esforço” que faço e que me impulsiona no espaço e no tempo. Não seria o mesmo
sentado na garupa de um cavalo que te leva, que transpira contigo, e te lé o
pensamento. Ao volante de uma bicicleta tornamo-nos transparentes - todos nos
veem a chegar, ou não, e todos nos vêm a partir, ou não – e leves continuamos,
pois nada de pesado deixamos ficar para trás. Riscamos a paisagem
silenciosamente com o nosso passar; os nossos corpos desenham-se em torno dela,
vibram com as suas irregularidades, curvam-se nas suas curvaturas e a alma ora
contempla o esforço do corpo que a alberga, e a terra por donde gira, ora
contempla o universo a onde paira.
(São tantas as coisas em, e que pensamos, que
acabamos por nos tornar nós próprios pensamentos.)
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