Na selva do Congo
Capítulo 6
“Estado de espirito I ”
“We travel, some of us forever, to seek other states, other lives, other souls.” Anais Nin
Não hã estrelas no céu. É noite. Encontro-me debaixo de milhões de folhas de árvore. Apago a lanterna. Perco o Norte. Abre-se o céu a meus pés.
Constelações formadas por inumeráveis minúsculas minhocas fosforescentes cobrem o céu dos meus pés. Sinto-me um cosmonauta. O mundo encontra-se de pernas para o ar!
Nos meus sonhos olho-te e vejo a razão de te ter perdido. O sonho traiu-me, o sonho do homem, a linha infinita do horizonte, a utopia, todos em conjunto me expulsaram do teu coração.
Persigo-me, perseguindo-te. Caminhas e estendes o braço para trás; abres a palma da mão e chamas-me com os teus dedos como quem toca piano - tocas de costas viradas para o meu coração. E então eu acelero o passo e inicia-se o dueto – os meus dedos tocam na palma da tua mão e deleita-se o coração. Harmonias do passado, eternamente soando no presente.
Os pássaros são o meu despertador preferido. Contudo ás vezes acordo a meio da noite com o piar da coruja dos bosques africanos ou com o raro dueto do Afropavo congensis - Pavão Congolês - espécie endémica da república Democrática do Congo. A fêmea e o macho alternam as vozes de tons distintos – gowaa/goway, respectivamente; é um dueto próximo aos seus parentes orientais. Lá fora o espaço sideral estende-se e cobre a selva e o pensamento. A 1 grau abaixo da linha do equador, são poucas as horas que faltam para o despertar de outros seres, outras aves. E sim, o dia como sempre - em torno da natureza - anuncia-se com as vozes emprestadas das criaturas aladas. E começa como acabou com a lanterna na cabeça dentro da mina dos sonhos ainda mal diluídos pela escassa luz nascente.
A primeira missão foi concluída com sucesso. Foram poucos os animais avistados e seus indícios e bastantes os indícios humanos encontrados pélo caminho - armadilhas, cartuchos de espingarda e trilhos cortados - num parque nacional onde a caça é proibida, mas no entanto... A selva é um mosaico de distintas vegetação – à beira rio (Luilaka) uma banda estreita de palmeiras Raphia sp. Coloniza a floresta inundada pelas águas do rio que na estação pluviosa galgam as suas margens; caminha-se bem, o soto-bosque é aberto, o solo é firme, contudo com água acima do tornozelo. É um belo pedaço da selva, lembrando um parque citadino. Verdes frescos novelos de folhas entrecortadas de jovens palmeiras de mãos e braços enredados umas nas outras - todas filhos e filhas da mesma Mãe - pequenos oasis de brincar, parques infantis – como na secção de jardim no Ikea com os vasos de palmeiras juntinhos formando uma ilha tropical. Um pouco mais a dentro da selva as árvores caminham sobre andarilhos – Uapaca sp. É a gora a espécie dominante. Estranhos seres autotróficos que vivem temporariamente com os pés dentro de água. A caminhada é extenuante pois o solo é agora uma armadilha onde os nossos pés se enterram facilmente no indecifrável solo que nos engole subitamente com a ajuda da carga que levamos às costas. Chega-se então à terra firme, finalmente (!) mas não é o fim das dificuldades pois espera-nos manchas de cerrada vegetação – Marantaceas que nos obrigam a prosseguir lentamente à medida que o navegador a incançáveis golpes de manchette vai abrindo caminho, aqui não se vé mais longe do que 1 metro! Há também outros exóticos obstáculos tais como as manchas de Lianas onde uma espécie de palmeira escadente se lança sobre tudo e todos com os seus arpões afiados para se agarrar e assim chegar ao Sol. Os seus caules fibrosos estão cobertos de milhares de espinhos que ora perfuram o pobre calçado alcançando a pele, ora os imprevidentes caminhantes que se agarram a eles quando perdem o equilíbrio no emaranhado de lianas.
O retorno a Monkoto não é propriamente um intervalo no trabalho e os preparativos para a próxima missão, alternam-se com os afazeres do quotidiano num lugar a onde não há água canalizada, luz eléctrica nem espíritos livres da sua condição de pobres fase a um sistema que permanentemente exige de cada individuo a sua cota parte de consumo e respectiva integração.
A Lua enche de luz a vila. Os coqueiros e as velhas casas coloniais de vidraças quebradas esperam que o tempo as derrube. Parecem cansados de existirem sem razão de ser.
Na selva do Congo
Capítulo 6
“Estado de espirito I ”
“We travel, some of us forever, to seek other states, other lives, other souls.” Anais Nin
Não hã estrelas no céu. É noite. Encontro-me debaixo de milhões de folhas de árvore. Apago a lanterna. Perco o Norte. Abre-se o céu a meus pés.
Constelações formadas por inumeráveis minúsculas minhocas fosforescentes cobrem o céu dos meus pés. Sinto-me um cosmonauta. O mundo encontra-se de pernas para o ar!
Nos meus sonhos olho-te e vejo a razão de te ter perdido. O sonho traiu-me, o sonho do homem, a linha infinita do horizonte, a utopia, todos em conjunto me expulsaram do teu coração.
Persigo-me, perseguindo-te. Caminhas e estendes o braço para trás; abres a palma da mão e chamas-me com os teus dedos como quem toca piano - tocas de costas viradas para o meu coração. E então eu acelero o passo e inicia-se o dueto – os meus dedos tocam na palma da tua mão e deleita-se o coração. Harmonias do passado, eternamente soando no presente.
Os pássaros são o meu despertador preferido. Contudo ás vezes acordo a meio da noite com o piar da coruja dos bosques africanos ou com o raro dueto do Afropavo congensis - Pavão Congolês - espécie endémica da república Democrática do Congo. A fêmea e o macho alternam as vozes de tons distintos – gowaa/goway, respectivamente; é um dueto próximo aos seus parentes orientais. Lá fora o espaço sideral estende-se e cobre a selva e o pensamento. A 1 grau abaixo da linha do equador, são poucas as horas que faltam para o despertar de outros seres, outras aves. E sim, o dia como sempre - em torno da natureza - anuncia-se com as vozes emprestadas das criaturas aladas. E começa como acabou com a lanterna na cabeça dentro da mina dos sonhos ainda mal diluídos pela escassa luz nascente.
A primeira missão foi concluída com sucesso. Foram poucos os animais avistados e seus indícios e bastantes os indícios humanos encontrados pélo caminho - armadilhas, cartuchos de espingarda e trilhos cortados - num parque nacional onde a caça é proibida, mas no entanto... A selva é um mosaico de distintas vegetação – à beira rio (Luilaka) uma banda estreita de palmeiras Raphia sp. Coloniza a floresta inundada pelas águas do rio que na estação pluviosa galgam as suas margens; caminha-se bem, o soto-bosque é aberto, o solo é firme, contudo com água acima do tornozelo. É um belo pedaço da selva, lembrando um parque citadino. Verdes frescos novelos de folhas entrecortadas de jovens palmeiras de mãos e braços enredados umas nas outras - todas filhos e filhas da mesma Mãe - pequenos oasis de brincar, parques infantis – como na secção de jardim no Ikea com os vasos de palmeiras juntinhos formando uma ilha tropical. Um pouco mais a dentro da selva as árvores caminham sobre andarilhos – Uapaca sp. É a gora a espécie dominante. Estranhos seres autotróficos que vivem temporariamente com os pés dentro de água. A caminhada é extenuante pois o solo é agora uma armadilha onde os nossos pés se enterram facilmente no indecifrável solo que nos engole subitamente com a ajuda da carga que levamos às costas. Chega-se então à terra firme, finalmente (!) mas não é o fim das dificuldades pois espera-nos manchas de cerrada vegetação – Marantaceas que nos obrigam a prosseguir lentamente à medida que o navegador a incançáveis golpes de manchette vai abrindo caminho, aqui não se vé mais longe do que 1 metro! Há também outros exóticos obstáculos tais como as manchas de Lianas onde uma espécie de palmeira escadente se lança sobre tudo e todos com os seus arpões afiados para se agarrar e assim chegar ao Sol. Os seus caules fibrosos estão cobertos de milhares de espinhos que ora perfuram o pobre calçado alcançando a pele, ora os imprevidentes caminhantes que se agarram a eles quando perdem o equilíbrio no emaranhado de lianas.
O retorno a Monkoto não é propriamente um intervalo no trabalho e os preparativos para a próxima missão, alternam-se com os afazeres do quotidiano num lugar a onde não há água canalizada, luz eléctrica nem espíritos livres da sua condição de pobres fase a um sistema que permanentemente exige de cada individuo a sua cota parte de consumo e respectiva integração.
A Lua enche de luz a vila. Os coqueiros e as velhas casas coloniais de vidraças quebradas esperam que o tempo as derrube. Parecem cansados de existirem sem razão de ser.
Retalhos da vida de um Naturalista - capitulo 6 - Estado de espirito I |