Na selva do Congo
Capítulo 12
“Afinal a natureza sou eu.”
“Man is a part of nature, and is war against nature is inevitably a war against himself.”
Rachel Carson
Observo-me, escuto-me e falo de mim. Tenho a atenção virada para mim, em lugar de a ter virada para a Natureza que me trouce até aqui (...) aos confins do mundo onde a cor da minha pele causa espanto e reacção aos seres da minha espécie!
Parece que que estou a recuperar (...) de quê? Pois começo a prestar atenção aos cantos das aves, não quero dizer que antes não ligava aos seus cantos, mas agora, não é só o coração que os escuta mas a razão que os estuda e tenta agora catalogar-los como um naturalista naturalmente o faz. Mas para quê? Pela mesma razão que passamos a memorizar os nomes das ruas em torno da nossa casa e progressivamente vamos alargando o nosso espaço geográfico, os nossos mapas do conhecimento e desta forma vamos nos tornando mais familiarizados com a paisagem (urbana). Em Monkoto, onde eu agora me encontro ainda é a outra natureza que domina a paisagem (natural).
Aqui o Homem ainda é dominado pela sua ignorância – não transforma a paisagem pois não tem os meios para o fazer; e dominado pela escassez dos meios, permanece ignorante. Estará ele mais próximo do passado? Assim me parece a mim. As forças dominantes do lugar são ancestrais. A luz da natureza como o Sol de dia e a sua luz espelhada na lua de noite, as estrelas e os seres fusforescentes. Há também esta força silenciosa, a essa luz aliada, pactuante, criadora que a molda, uma força que se evapora, se condensa, se diluie na terra e a fertiliza e funde-se num corpo frio ao nosso tacto deslizando silenciosamente como uma serpente, languida, que nos mata a sede e tranquilizamos o olhar – o Rio. Réptil que serpeia por entre a sombria e enigmática selva tropical - outro indescritível pujante elemento que forja a alma do povo deste lugar. Ela é a sua casa e é a ela - à consciência humana - que cabe decidir a onde deseja permanecer; aqui próxima das suas ancestrais almas ou livre num universo de almas dominadas por forças alheias, por outras forças naturais – o domínio da sua espécie sobre as outras espécies. Voltar atrás (?); reanimar conhecimentos perdidos, estabelecer autonomias e venerar as suas origens parece-me mais próximo e frutuoso do que aproximar a vila à cidade. A quem assim o quiser...
Eu aqui não sei bem o quero, se saber o nome das aves que cantam ou se saber por quem o meu coração bate. Sou tão vulgar como uma folha de uma árvore entre milhares de outras, fosse eu o tronco que as sustêm... Talvez me fosse mais fácil viver se não tivesse ambições (quem as semeou dentro de mim?)... E sem talento como poderei ser eu o tronco de donde brotam os ramos com as suas folhas, flores e frutos!?
Não sou um naturalista, ou sou um naturalista? Não sou. Aqui parece não importar, aí entre vós, importaria. Quando acento no bloco de notas a vida selvagem que na selva (onde executo o trabalho) observo, a vida parece ganhar sentido. Quando não trabalho a vida parece ficar à espera para que volte de novo a executar algo, a trabalhar para de novo voltar a ganhar sentido, voltar a ser... Faz-se desfaz-se e volta-se a fazer, agora sabemos que o resto não é zero, e tão pouco inócuo o é ao futuro que a vida acarreta em si.
Parece-me urgente ver o futuro, e o que vejo é a morte (entre os sucessivos acontecimentos da vida). A ela então deverei eu me entregar e da mesma forma que me entreguei a quem mais quis amar - com tudo e só com tudo o que tenho para dar.