Na selva do Congo
Capítulo 7
“Estado de espirito II ”
Já trazia gravadas no meu coração as músicas que iriam ser tocadas durante o caminho solitário que iria percorrer na selva do Congo.
Tal como um leitor de música digital, as melodias surgiriam numa ordem aliatória, no entanto soariam inesperadamente, isto é, sem que o botão do “play” fosse accionado.
Não sei se a estória contada pélo escritor Paul Auster no livro “A música do acaso” era baseada numa personagem real. Contudo a raiz do pensamento que o levou a pensar na construção da personagem principal do curto romance, era nutrida por um substracto real. A semente tinha sido plantada no seu ser...
O sentimento de aproximação a esse personagem ”ficcional” não era intrínseco ao agora, a este preciso momento em que escrevo estas palavras enquanto espero que a chuva pare de tamborilar no duplo tecto da tenda de campismo onde me abrigo.
Não sei já quantas seriam vezes tinha sido eu gazeado com os toxicos vapores do livro em questão; mas julgo perceber o estado de espírito em que me encontrava e me encontro quando o meu arquivo musical / sonoro começa a tocar pedaços de músicas aleatórias (...) – solidão! Sim, Solidão, a devastadora solidão dos seres humanos; intrinsecamente Humana (...) que inadvertidamente sinto, sentimos, estejamos nós sentados à mesa rodeados da nossa família, ou como eu aqui, sozinho, circulando pélo sistema cardio vascular do coração do mundo (a selva do Congo).
A música é um sonho que nos pode despertar para o pesadelo da realidade.
Continua a chover. Doí-me as costas; roi-o as unhas. Penso ligeiramente no programa do dia de trabalho, nas pilhas da minha lanterna que uso para poder escrever e que estão a ficar fracas. São 08:33 da manhã. Estico-me ao comprido no chão da tenda e digo ao meu corpo para se ajustar às irregularidades do solo. Desliza um verme na janela de rede sobre a minha cabeça; aqui e ali pequenas abelhas sem ferrão procuram uma saída ou qualquer coisa que eu não sei; entraram ontem de tarde aquando da minha chegada ao lugar predestinado para acampar. Eram milhares delas que freneticamente zumbiam à minha volta que me cobriam a pele e as roupas transpiradas. A tarefa de desfazer a mochila e montar a tenda depois de 5 horas de caminhada com a atenção permanente sobre o chão que pisávamos tornava-se agora uma corrida contra relógio e um desafio à concentração para executar a tarefa (fosse ela qual fosse) debaixo de uma nuvem de pequenos insectos que me cobriam e cujo o cheiro que libertavam aquando de serem bruscamente afastados da pele começava a enjoar.
Entalo sobre as folhas deste livro
Um novo pedaço de memória – uma embalagem de “Thé de haute qualité”
Sou um forasteiro neste lugar;
Os sons que me chegam aos ouvidos são-me estranhos,
Sobretudo o dos meus irmãos – os Homens.
Pois o vento conheço-o eu,
E mesmo a pequeno invisível ave que canta debaixo da sombra das árvores – Pitiqiriqiriripiririqiriri.
Também ela conhece o vento, entende-o,
Mas sabiamente deixa que o mundo passe à sua volta.
Eu, agarro o seu canto e entalo-o entre as folhas deste livro.
Tento-me salvar da solidão dos Homens.
As memórias são perigosas quando se desprendem do presente.
Primeiro acampamento missão 1B - 34 M 455495 9801858
Retalhos da vida de um Naturalista – Na selva do Congo Capítulo 7 “Estado de espirito II” |