http://expresso.sapo.pt/gen.pl?p=print&op=view&fokey=ex.stories/861509&sid=ex.sections/25282
Por Daniel Oliveira
8:00 | Quinta feira, 20 de Março
Espalhados por Lisboa, andam cartazes com dois olhos
vigilantes. Só graficamente, a coisa já é sinistra. Mas faz justiça ao que nos
pede: que ajudemos a combater a fraude. Como o apelo não se resume ao pagamento
do nossos bilhetes, o que se pede é que sejamos bufos. E explica-se porquê.
Porque menos gente a pagar é menos carreiras e pior qualidade no serviço. Na
realidade, fico espantado. Os preços dos títulos de transporte subiram
exponencialmente nos últimos anos, por decisão dos mesmos senhores que fizeram
estes cartazes. As carreiras diminuíram. O serviço degradou-se. E, ao que
parece, os serviços da Carris e do Metro até vão ser concessionados a privados,
até junho, o que torna este anúncio ainda mais absurdo. Foi por causa das
fraudes que tudo isto aconteceu? Só se nela se incluírem os swaps. E nem todos
os olhos bem abertos para as responsabilidades passadas e presentes da ministra
das Finanças, enterrada na coisa até às orelhas, a tiraram do lugar.
Mas o que mais me perturbou foi ver aqueles olhos azuis esbugalhados a apelarem à
delação enquanto lia, nas capas dos jornais, que Jardim Gonçalves se tinha
safado de uma multa de um milhão de euros, por prescrição. É ver que Oliveira e
Costa e Rendeiro podem ir pelo mesmo caminho. E que é mais fácil um banqueiro
manipular o mercado de ações e enganar o Estado e os depositantes em milhões do
que um desgraçado andar no metro à borla.
Sim, a fraude ajuda a que haja menos autocarros, menos escolas, menos hospitais. Que os
títulos de transporte, as propinas ou as taxas moderadoras pesem mais nas nossas
carteiras. Que os serviços públicos percam qualidade. A fraude do BPN, que nos
está a levar milhares de milhões de euros que ninguém parece querer cobrar a
ninguém. Mas não apenas ela. A fraude em que se transformou o sistema
financeiro, onde enterramos dinheiro em resgates e juros e que, em Portugal e
por todo o mundo, é hoje sinónimo de abuso, escândalo e amoralidade. E nem
quando as comadres se zangam e uma delas põe a boca no trombone, como aconteceu
com Joe Berardo, alguma coisa acontece. Esta é a fraude que me interessa. Se não
querem mobilizar a coragem dos políticos, os recursos do Estado e o empenho dos
cidadãos contra ela, como têm o atrevimento de apelar à bufaria nos transportes públicos?
Um desempregado anda, sem pagar, nos transportes que o senhor Sérgio Monteiro se
prepara para privatizar? Comigo, pode estar descansado. O máximo que farei será
empatar algum tempo o fiscal para lhe dar tempo para escapar. Faço mal? Não
farei nem mais nem menos do que o Banco de Portugal e o Ministério Público
fizeram com Jardim Gonçalves. E sempre ajudo alguém que precisa.
Fraudes na banca, bufos no autocarro.docx |